sábado, 24 de fevereiro de 2018

General diz que intervenção tem que ter 'enfrentamento igual ou maior' que o do crime organizado e compara missão do Exército no Haiti à proposta aplicada ao Rio


Por: Redação OD

Com a experiência de quem atuou como Oficial de Operações do 1º contingente brasileiro no Haiti, em 2004, e também como comandante da missão de paz entre 2009 e 2010, o General de Divisão (R/1) Floriano Peixoto Vieira Neto admite que a intervenção no Rio de Janeiro será uma tarefa difícil e que é necessário ter um poder de enfrentamento “igual ou maior” que o do crime organizado no Estado. Atualmente em Londres, onde atua como pesquisador convidado do "Brazil Institute na Kings College", o general considera que só o Exército tem condições de enfrentar a violência no Rio. Confira a entrevista.

Como a experiência no Haiti afetou a forma de as tropas brasileiras atuarem em intervenções urbanas?

Embora a passagem brasileira no Haiti, por 13 anos, tenha sido fundamental para aprimorar, nos militares, experiência inédita para operar em ambientes semelhantes no Brasil, é importante que se diga que o Sistema de Instrução Militar (utilizado pelo Exército Brasileiro) já contemplava capacidades semelhantes às que foram empregadas naquele país, para atuação em ambientes urbanos. 


O conceito operativo do Exército busca a máxima integração entre militares e civis, que somam esforços no ambiente interagências, considerando a escala variável de violência. No caso do Rio de Janeiro, com a dimensão alcançada pelo crime organizado em termos de capilaridade, aparato bélico, liberdade de ação, cooptação da população, entre outros aspectos, a atitude operacional das tropas em presença é a de combate contra forças irregulares. Portanto, é uma realidade bem mais complexa do que uma simples operação urbana, nos moldes de Garantia da Lei e da Ordem.

Quais lições e aprendizados dessa experiência no Haiti devem ser levadas em conta na intervenção atual no Rio e por quê?

As tropas foram notificadas com antecedência, após intensa negociação de seus países com a ONU e, acima de tudo, possuíam normas prévias, como as Regras de Engajamento e o próprio Mandato. Assim, as tropas estavam completamente protegidas para atuar, mas isso não lhes conferia liberdade para aplicar a força além do necessário.A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro sinaliza que a questão de deterioração da segurança regional extrapolou os limites da Segurança Pública, passando a se constituir um evidente e gravíssimo problema de Segurança Nacional.


Essa decisão interventiva deveria trazer, em seu conteúdo, elementos mais claros que oferecessem às tropas segurança jurídica para as ações que terão de ser implementadas, como ocorria no Haiti. É preciso, também, conceder às tropas interventoras um amplo poder de polícia, para que possam atuar com mais liberdade de ação. Isso seria a pressuposto lógico para se alcançar aquilo que se pretende. Parece bastante razoável imaginar que o enfrentamento de gangues armadas com fuzis, que levam terror aos locais onde vivem e transitam pessoas do bem, deva ser executado com um poder de enfrentamento de igual ou maior letalidade, ou corremos o risco de as ações se tornarem inócuas.

A operação no Haiti durou 13 anos, foi elogiada inicialmente mas, depois, foi alvo de questionamentos devido a incidentes envolvendo as tropas, segundo a ONU. Como evitar que os erros se repitam agora na situação do Rio?

A percepção inserida no questionamento não se refere aos brasileiros, que sempre aplicaram a força dentro do limite autorizado e necessário. Nosso País é internacionalmente considerado uma referência em operações de paz, e isso, sem dúvidas, continuará se aplicando nas participações internas, como agora no Rio de Janeiro. A questão lógica dessa certeza é de que, sendo capazes de empreender tarefas dificílimas em território estrangeiro, soldados brasileiros podem repetir o mesmo feito no interior de nossas fronteiras, cumprindo a missão que a Constituição atribui, mesmo que para isso a aplicação extrema da força seja necessária. Contudo, é fundamental que nossos soldados sejam plenamente autorizados para exercerem suas funções e que sejam protegidos por instrumentos jurídicos durante o estrito cumprimento de suas obrigações profissionais.


No caso do Rio, a cidade vem sendo palco de intervenções e operações das forças armadas há anos. O exército é a solução para os problemas de segurança e corrupção policial do Estado?

A atuação militar que passa a ocorrer no Rio de Janeiro é bastante diferente das demais, pois agora o emprego militar atende a uma intervenção de maior amplitude do que aquela vigorou em outras situações, como Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Vale dizer, esta opção extrema gera expectativa de que o emprego mais direto da esfera federal, por meio da expressão militar, possa, em dez meses, resultar melhorias na situação de segurança do Rio de Janeiro e, por extensão, no País como um todo. Ou seja, é uma tarefa extremamente difícil, pela indefinição de certas condições já expostas e pelo curto prazo estabelecido. Há que se ter em mente que o Exército não substitui e nem pretende substituir a Polícia. Mas se a tarefa é atribuída às Forças Armadas, não restam dúvidas de que, por princípios profissionais, a “missão vai ser cumprida”, da melhor maneira possível. 


O fundamental é entender que Exército e Polícias estarão juntas para enfrentar um inimigo comum, com a maior disposição que suas estruturas oferecem, e que, desse embate, resultarão conseqüências letais na medida do combate. No momento atual, fica claro perceber que as Forças Armadas é que dispõem, em melhores condições, de recursos humanos e materiais adequados para liderar as ações contra o crime organizado.Essa é uma questão bastante difícil de ser resolvida. 

Em um Estado Democrático de Direito, segurança, estabilidade, paz e ordem devem reger as condições de sobrevivência humana, e dependem essencialmente da aplicação de esforços da gestão pública, em todos os seus níveis. A história do Rio de Janeiro não tem sido bem contemplada com exemplos construtivos, que poderiam ter contribuído melhor para a segurança pública; o resultado é o caos atual onde chegamos. Mas resta sempre a esperança de que dias melhores virão. O tempo responderá melhor essa pergunta.

*Com Informações do Jornal O Globo

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